12.2.07

Religião e secularização

Li Orhan Pamuk, Nobel de Literatura em 2006. Ele me fez pensar nas abrangentes implicações da secularização, na força da religião, e especialmente no significado de um Estado laico. Considerando correto que religioso e secular são os dois extremos da civilização, Deus não tem vez nem voz no mundo secularizado, o que explica ou justifica (ou explica mas não justifica) o Estado laico.

Houve um tempo quando a religião dava as cartas do processo civilizatório, tanto no ocidente cristão quanto no oriente islâmico. O advento da secularização destronou a religião e assumiu o controle da vida em sociedade. Desde então a religião passou a ser encarada como questão de foro íntimo, não poucas vezes associada à ignorância, alienação, superstição, infantilidade e primitivismo.

O Estado laico implica a postura ateísta, isto é, Deus não pode ser invocado como argumento em questões de ciência e legislação. A partir desta premissa, a coisa pública–res-pública–república, busca sua sustentação em fundamentos não religiosos.

A princípio, parece lógico e justo. Caso o aspecto religioso fosse levado em consideração para a norma científica e a legislação da sociedade, assistiríamos o digladiar das diversas tradições religiosas pela primazia do arbítrio da vida coletiva, isto é, cada tradição religiosa tentaria anular as outras e impor sua perspectiva como única verdade – o que, aliás, se tem visto hoje em dia. O conflito entre as potências ocidentais e orientais no mundo moderno (ou pós-moderno) é menos econômico e geopolítico do que religioso e de civilizações. Nesse sentido, os que defendem o estado laico, onde a religião ocupa espaço pessoal e privativo e não pode ser invocada para a coisa pública parecem ter mesmo razão.

Mas há o outro lado da moeda. Alijar a religião do processo social implica calar a voz de significativo número de cidadãos, e, nesse caso, o laicismo do Estado passa a conspirar contra um dos alicerces da opção republicana, a saber, a liberdade das consciências individuais. Também ocorre que o Estado perde riquezas próprias das diferentes dimensões da sabedoria e da verdade, notadamente as dimensões inerentes aos saberes não racionais (diferente de “irracionais”). O equilíbrio do Estado não está na inexistência de conflitos, mas na igualdade de direitos das forças que o constituem. Isso explica porque as repúblicas seculares são tão radicais quanto os estados baseados no fundamentalismo religioso: todo aquele que insiste em calar vozes perde o direito de falar, e quem perde o direito a alguma coisa e ainda continua a exercê-lo, o faz pela força, de modo que sua autoridade se torna ilegítima e deve ser resistida.

Tanto a secularização quanto o fundamentalismo religioso conspiram contra a liberdade. Este é um tempo, portanto, de uma melhor definição de Estado laico. Não mais aquele onde a religião está ausente, mas aquele onde todas as religiões têm iguais e garantidos direitos, e aceitam participar do jogo democrático, respeitadas as regras do jogo, e mediante o acordo tácito de uma vez no poder, preservar os direitos dos discordantes. Isso sim é utopia. Isso sim é ser republicano. Ou democrata. Como queira. Isso sim é ser religioso (no sentido subjetivo). Ou secular (no sentido objetivo). Como queira.

5 Comments:

Blogger O Tempo Passa said...

Caro Ed,
Discordo quando dizes que "o conflito entre as potencias, no mundo pós-moderno, é menos econômico e geopolítico do que religioso e de civilizações".
Claro que o conflito é religioso e econômico!!! Porque a economia tornou-se a religião pós-moderna predominante entre as corporações - que são as forças que contam de fato.
Ou muito me engano...

5:08 PM  
Blogger Antonio said...

Este comentário foi removido pelo autor.

11:44 AM  
Blogger Antonio said...

Não concordo muito, quanto mais a religião estiver longe do estado, mais livres os cidadãos estarão de abusos de poder, perceba que os abusos vem ou da religião como no caso do aiatolás que manipulam em nome dessa, ou dos "contra-religião" como no caso dos "Fideis e Chaves" esses ultimos crendo que a religião deve ser eliminada pois é fator alienante e manipulatório, eles pensam, se é que deve haver manipulações que sejamos nós os manipuladores não os clericos... Perceba que em paises aonde o catolicismo impera no estado, impera também sempre a corrupção ... Filipinas, Brasil ...
...sempre a religião está no meio... dos piores paises do planeta ...
Agora tomemos um exemplo de um estado 100% laico, se vc for as ruas e tentar fazer algum tipo de proselitismo no Canadá por exemplo, vc será violentamente interrompido por quem quer que vc aborde nas ruas ... religião lá é foro intimo, e a participação da religião no estado é exatamente : ZERO.
Como efeito temos um país conhecido pela sua tolerancia, educação, respeito as leis, baixos indices de violencia e criminalidade, oportunidades para todos, e altos niveis de assistencia social, tudo sem a religião !!!!
Religião com influencia no poder não funciona, vc já viu a globo falar bem de evangelicos ? Vc já viu a record falar bem de catolicos ? Representatividade por represtentatividade as religiões com maior representatividade terão mais poder e atropelarão as demais, é a ditatura da maioria religiosa ...

11:48 AM  
Blogger Felipe Fanuel said...

Em se tratando de religião e política, é perigoso demais misturar as coisas. Ser positivista o bastante a ponto de achar que a religião é um mal necessário que um dia acabará, é falácia. Contudo, inventar um lugar para as várias tradições religiosas dentro do Estado é pedir para ser execrado pelas religiões dominantes.

Sabemos que embora nosso país se pretenda laico, há parcialidade das mais estapafúrdias possíveis. Nesse caso, o melhor a se fazer aqui, pelo menos por enquanto, seria lutar por uma radical laicidade do Estado.

Talvez, assim, aprenderemos a ver as diferenças como semelhanças e as semelhanças como diferenças. Afinal as religiões precisam de espaço comum, de limite comum. Quando o país se tornar totalmente laico, as religiões verão o quanto dependem umas das outras. Isso também é utopia!

3:27 PM  
Blogger Eduardo Zombini e.zombini@itelefonica.com.br said...

Não acho que deva haver uma separação total entre os princípios cristãos daquilo que o Estado deva ser. É justamente por isso que temos atualmente leis que permitem o aborto a qualquer tempo (na Europa e EUA, inclusive Canadá), uniões homossexuais, eutanásia e até um projeto de lei , na Suécia que legaliza a pedofilia (!).

Ora, devemos expulsar Deus da sociedade?

Será que nossa total "liberdade" deve sobrepujar aquilo que Deus deseja para nós?

Claro que não, isto seria uma ofensa ao Criador. Temos, como cooperadores na criação, de lutar por leis mais cristãs, que respeitem ma vida e não nos omitir-mos , em nome de um humanismo exagerado, quase ateu, eu diria.

Se no passado e presente, houve abusos, isso se deve a exageros, que devem ser combatidos.

Senão, como poderemos ser sal da terra e luz do mundo com nossa "omissão de respeito humano"?

abs

Eduardo Zombini
e.zombini@itelefonica.com.br

9:34 AM  

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Ed René Kivitz
Pastor da Igreja Batista de Água Branca (São Paulo), autor e conferencista.
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