2.5.07

Gloria Dei, vivens homo

O ateísmo é um fenômeno da modernidade. Foi a partir do Iluminismo que se fez a distinção entre fé e ciência, o que resultou no surgimento dos campos religioso e secular. A modernidade exclui Deus como hipótese para explicar o universo e normatizar a vida social. Enquanto a religião explica o mundo com afirmações metafísicas sustentadas pela fé, a secularização se vale do método científico que demonstra os fatos: contra fatos não há argumentos. O que a ciência não pode provar não pode ser imposto como paradigma para a vida em sociedade, é objeto de fé individual e privativa.

Copérnico e Galileu iniciaram o processo de desmanche das explicações teológicas do mundo da física. Karl Marx condenou a religião como ópio do povo e instrumento de alienação social. Friedrich Nietzsche denunciou a fé em Deus como impedimento para o desenvolvimento de uma humanidade autêntica. Sigmund Freud afirmou a busca de deus como manifestação de uma recusa à maturidade, uma opção pela infantilidade que insiste em se manter sob os cuidados de um Deus que mais se parece com um pai super-protetor.

Todos eles tinham em comum a preocupação de emancipar o ser humano da ignorância científica, a opressão social, a covardia existencial, e a infantilidade psicológica. Suas palavras negaram a Deus, mas sua intenção afirmou Deus com todas as letras. Como Queruga esclarece, o ateísmo da modernidade pode ser compreendido, não como negação do divino, mas afirmação do humano.

O tiro moderno saiu pela culatra. A "morte de Deus" matou o homem e esvaziou o universo de sentido: direção e significado. E então surgiu a modernidade líquida (Bauman), quando já se sabe que o humano não se basta, a ciência e a tecnologia não são suficientes, as ideologias carecem de suplemento de alma e a razão não abarca a totalidade da realidade: "á mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia" decretou Shakespeare.

Eis a oportunidade de resgate da religião, ou melhor do Cristianismo - o grande condenado no banco dos réus da modernidade. Agora é hora de mostrar que o sonho da modernidade se realiza no Cristianismo adulto. Somente a partir da fé e de relação com a transcendência, além dos limites da razão, o ser humano desenvolve sua plena humanidade. O Cristianismo também quer o surgimento do homem novo, ou como disse Santo Irineu de Lião, no segundo século: Gloria Dei, vivens homo - a glória de Deus é o homem na plenitude de sua vida.

12 Comments:

Blogger Dos dois lados do Equador said...

Oi Ed, sinceramente não vejo ressuscitar possível ao cristianismo...
Parece-me um belo sepulcro, adornado com ladrilhos e estátuas, enfeitado com velas amarelas e flores multicoloridas mas que guarda ossos secos por onde profetas não caminham.

Seria como por remendo novo em pano podre: perde-se os dois. Melhor e apenas ouvir o Evangelho e aprender dEle com toda Sua mansidão e suavidade.

O resto já virou resto a ser pisado pelos homens a tempos.

Paz,

Vando

9:36 AM  
Blogger Roberto Rohregger said...

Concordo com o texto do Ed, sabemos que, apesar de Hegel acreditar que o ser humano superou sua alienação reconciliando-se com seu verdadeiro ser, nota-se claramente que de forma mais ou menos geral isso não ocorre, convivemos cada vez mais com a alienação geral o que desencadeia um processo de desumanizarão do individuo.
Esse otimismo iluminista no poder da razão manifestada nas ciências e tecnologias mostrou-se não ser suficiente para a aplacar a crise existencial de cada um.
Porém o Cristianismo somente poderá oferecer uma resposta e uma alternativa a esse vazio se conseguir efetuar um discurso contextualizado. Não coloco em dúvida a mensagem regeneradora e transformadora de Cristo, mas sim a forma como se está propagando essa mensagem, na grande maioria das vezes ela está sendo transmitida tão vazia quanto qualquer ideologia barata.
Faço minhas as palavras de Paul Tillich em sua TS. : “(...)Ele (falando sobre o teólogo) deve estar consciente de que termos como “pecado” e “juízo”, embora continuem verdadeiros, perderam seu poder expressivo e só podem recupera-lo se incorporarem plenamente as percepções da natureza humana que o existencialismo (inclusive a psicologia do profundo) nos fornece. (...)” pg. 323, 5ª Ed. Revista

Abraços

7:38 PM  
Anonymous Anônimo said...

Texto Bruto!

Comecei a gostar de filosofia vendo voce pregar no 32º congresso da Sepal!
Nietzsche,Sartre,Marx tudo foi lido inspirado em voce!
Tem me ajudado muito, mas todos eles passaram, só um autor nao passa!
O Autor da Vida que é Jesus!

Grande Abraço!

Pedro Lucas Dulci

11:43 PM  
Blogger Unknown said...

Eu acredito que existe, sim, necessidade de se contextualizar o modo de comunicar o que diz respeito à fé, a esse conhecimento específico que permite conciliar, em cada um e nas relações humanas, o amor (manifesto como necessidade que se tem de Deus ou vestígio do eterno) e o que é efêmero, transitório.
Compreender autores significativos nessa busca sistemática do que quer que seja verdade pode ser importante mas com o cuidado de que isso não resulte na limitação da sensibilidade a redutos nos quais é válida a linguagem que caracteriza um determinado modelo de conhecimento. Porque,no que diz respeito à fé, imagino que isso resultaria na formulação de algumas formas de preconceito,de um conhecimento amplo mas que não apreende a vulnerabilidade da pessoa como um todo, não transita por onde se manifesta a necessidade e não dá conta de estabelecer a unidade que a fé propõe.
Esse ponto de maturidade, esse 'cristianismo adulto' talvez seja menos a capacidade de transcender do que a capacidade de "encarnar", ou, como diz S.Weil, 'renunciar à nossa pseudo divindade', fazer transitar o Espírito, com a sua diversidade de dons e linguagens onde seja necessário.

7:56 AM  
Blogger Unknown said...

O cristianismo atual precisa ser reinventado como o judaísmo foi na época de Jesus. Fórmulas, conceito, visão do sagrado precisam passar por um processo de adaptação para aquilo que Deus pensa. "Huiostesia" é gerado com relacionamento transcendente com o Pai.

11:56 AM  
Blogger Max Woz said...

Tenho uma "queda" pela Filosofia.Atualmente tenho "brigado" muito com o Nietzsche a fim de podê-lo compreendê-lo melhor:tenho uma desconfiança de que ele é mais Crente que eu (rsrsrsr...)

Valeu Ed!

7:15 PM  
Blogger Lou H. Mello said...

Falando em mega resgate, aconselho a resgatar o link para o Fórum Jovem de Missão integral (que está com um http:// a mais) e desse jeito não leva ninguém a lugar algum. Fiz uma menção (no meu estilo) lá na Gruta. Espero que ajude a divulgar, afinal será aqui perto.

9:27 PM  
Blogger Unknown said...

Este comentário foi removido pelo autor.

12:30 PM  
Blogger Unknown said...

Ed.
Sua análise é de nos fazer refletir como nós, (pastores e líderes) estamos tratando o cristianismo. Deus continue dando graça e sua vida e ministério. Você tem me abençoado muito.

12:39 PM  
Blogger Davi Antunes said...

Excelente artigo. Na verdade, é fato que esse vazio permeia nossa sociedade e podemos testemunhá-lo em todos os seguimentos. Veja por exemplo, casos como Britney e Paris Hilton...reflexos do vazio que assola o coração humano.

Por outro lado (e exemplificando ainda com celebridades), temos casos como o de Angelina Jolie; celebridades adotando crianças pobres e visitando a miséria, talves na tentativa de preencher esse vazio.

Tomei a liberdade de linka-lo no meu blog, que visa refletir a época em que vivemos sob ótica cristã.

Um grande abraço.

4:26 PM  
Blogger Leonardo Bucky said...

Uma dúvida, a tradução de "Gloria Dei, vivens homo" é "A glória de Deus é o homem na plenitude de sua vida" ou isto é uma interpretação do autor sobre a frase em latim de Santo Irineu de Lião?

10:30 AM  
Blogger CESAR CRUZ said...

Excelente!
Sinto nitidamente, nos círculos sociais (alguns)que há uma concepção não só moderna como também comtemporânea, de que crer em Deus, é para os fracos, para os ignorantes, incultos... Os intelectuais devem estar acima desta intangibilidade! Que pena...

Abraços
Cesar
SP

8:08 PM  

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Ed René Kivitz
Pastor da Igreja Batista de Água Branca (São Paulo), autor e conferencista.
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